Provavelmente já captei a sua atenção pois hoje falamos de sexo, ou melhor, de sexualidade. Quem passa por uma doença oncológica poderá ver a sua vida sexual afetada de várias formas. Numa primeira fase, após o diagnóstico, é frequente haver uma diminuição do desejo sexual. A cabeça está focada em sobreviver, o medo apodera-se de nós e a disponibilidade para usufruir de uma relação sexual desaparece. A acrescentar a isto vêm os tratamentos e os seus efeitos secundários. A quimioterapia pode fazer com que o cabelo caia ou dar enjoos, a cirurgia pode alterar significativamente a nossa imagem corporal e a radioterapia pode dar, por exemplo, alterações na pele. Mas há mais! Há muito mais para além da ponta do iceberg. É que quase todos os tratamentos podem ter impacto na sexualidade. A cirurgia, dependendo do local, pode dar incontinência, disfunção erétil, alterações vulvo-vaginais ou alterações sensitivas. A quimioterapia e outros tratamentos sistémicos podem desencadear alterações hormonais que culminam numa menopausa precoce (com todos os seus sintomas associados), secura vaginal, fadiga ou inchaço. A radioterapia dirigida à região pélvica pode originar um estreitamento vaginal que dificulta a penetração, disfunção erétil ou inflamações nas mucosas (imaginem tentar dar um simples beijo com a mucosa oral inflamada). Com tudo isto, é expectável que haja alguma dificuldade de excitação, dificuldade em atingir o orgasmo e a relação sexual pode até tornar-se dolorosa. Vamos às boas notícias: estas disfunções sexuais não são uma fatalidade. Ocorrem em cerca de 50 a 60% dos doentes, e têm soluções. Alguns problemas serão temporários, outros poderão prolongar-se por mais algum tempo, o que irá exigir ajustes durante as diferentes fases da doença. Então o que é que podemos fazer para minimizar o impacto do cancro a nível sexual? Em primeiro lugar, deve falar abertamente com o parceiro (se o(a) tiver). O próprio parceiro poderá precisar de tempo para se adaptar a tudo o que está a acontecer. Esta poderá ser uma boa fase para serem exploradas outras formas de intimidade para além da relação sexual: um passeio a dois, um jantar, uma boa conversa, dar as mãos, ver um filme. No caso de ter relações sexuais, compreenda que a penetração nem sempre será possível (seja por dor ou por dificuldade de excitação/ereção) e, nesse caso, explore o sexo não-coital. Quanto aos lubrificantes: é usar e abusar (preferencialmente à base de água). Nesta fase é importante perceber o que é que lhe dá prazer, encontrar novos estímulos sexuais e explorar opções que melhorem o seu bem-estar: exercício físico, uso de lingerie adaptada, lenços, perucas, etc. Mas nem tudo é simples e, muito provavelmente, irá precisar de ajuda e orientações de um profissional de saúde. Não hesite em expor os problemas ao seu médico. Em Portugal já existem consultas especializadas de sexologia para doentes oncológicos, precisamente porque estes problemas são complexos e exigem uma abordagem multidisciplinar. O tratamento das disfunções sexuais pode envolver ginecologistas, urologistas, psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros, entre muitos outros. E cá estamos nós para ajudar. Porque todos temos direito ao prazer sexual, na saúde e na doença.
Por: Dra. Mafalda Cruz, médica e sexóloga | www.instagram.com/mafaldacruz.medsex
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